
O dia primeiro de maio é uma data internacional dedicada aos trabalhadores. Segundo consta na Wikipedia, “a homenagem remonta ao dia 1 de maio de 1886, quando uma greve foi iniciada na cidade norte-americana de Chicago, com o objetivo de conquistar condições melhores de trabalho, principalmente a redução da jornada de trabalho diária, que chegava a 17 horas, para oito horas” [1]. Prisões e mortes ocorreram nesse evento histórico. No Brasil, a data foi institucionalizada no vigor do Estado Novo, em 1938 e tornada feriado nacional pelo governo do marechal Eurico Gaspar Dutra, com a Lei nº662, de 6 de abril de 1949.
Apesar do dia internacional do trabalhador ter sido instrumentalizado, em algumas ocasiões, por governos populistas de diversos países, seu significado nunca perdeu de vista a necessidade de que os trabalhadores tenham consciência que representam uma parcela valiosa do sistema produtivo e que há um conflito, que merece atenção constante, entre os interesses daqueles que vivem das rendas advindas do capital e os interesses da grande maioria de indivíduos que garantem a sobrevivência própria e dos seus por meio do trabalho [2].
Em seu livro “Capital e ideologia”, o economista Thomas Piketty aborda como a ideologia e a política moldam sociedades desigualitárias sob as mais diversas perspectivas históricas. As naturalizações e banalizações das desigualdades são construções ideológicas. Relendo o capítulo 17 do livro clássico “História da riqueza do homem”, de Leo Huberman, destacamos que “os economistas da época da Revolução Industrial desenvolveram uma série de leis que, diziam, eram tão válidas para o mundo social e econômico como as leis dos cientistas para o mundo físico”. Huberman completa que, seguindo essa lógica, “se os homens fossem inteligentes e agissem de acordo com os princípios que expunham, muito bem; mas se não, e agissem sem respeito às suas leis naturais, sofreriam as consequências”. No geral, era então possível dizer que essas supostas “leis naturais” representaram boas notícias para os mais abastados porque os pobres eram responsabilizados pela sua pobreza.
O darwinismo social fez escola no Brasil, principalmente no período da Primeira República (1889-1930), oligárquica e antissocial. Ficou registrado na historiografia sobre o pensamento oligárquico de então que a questão social era tratada como caso de polícia. Não devemos esquecer que diversas formas de violência acompanharam a trajetória brasileira desde a sua colonização, de exploração e baseada na escravidão. Os direitos sociais foram conquistados ao longo do tempo no Brasil, principalmente a partir da Constituição Cidadã (1988), ainda que na prática tenham ficado bem aquém da experiência social-democrática de muitos países.
Para o contexto do paradigma das cadeias globais de valor, emergente nos anos 1990, o cientista político André Singer reproduziu uma frase dita pelo bilionário norte-americano Warren Buffett, em 2006, e que sintetiza bem os tempos que vivemos [3]. Segundo afirmou o investidor, “existe, sim, guerra de classe, mas é a minha classe, a classe dos ricos, que está fazendo guerra, e estamos ganhando”. Do ponto de vista das análises das assimetrias na relação entre capital e trabalho, Karl Marx ainda tem algo a nos dizer. Ainda que se possa discordar de muitos aspectos da sua análise, alguma forma de “luta de classes” esteve presente nos conflitos e nas negociações políticas que garantiram direitos sociais e cidadania em diversos países. Essas tensões estavam presentes na globalização antes da pandemia de Coronavírus (Covid-19) e poderão muito bem retornar com mais força após o fim da crise.
Antes da pandemia, o Fundo Monetário Internacional (FMI), por sua vez, afirmou mais de uma vez que os salários não acompanharam a produtividade em muitos países nas últimas três décadas, algo que levou ao declínio relativo da participação do trabalho na renda nacional. Progresso técnico e integração comercial global, segundo o FMI, respondem por esse processo, sendo que as pressões sociais por políticas voltadas para “dentro” estavam crescendo nas economias avançadas. O que esperar das tensões sociais após a crise pandêmica, quando já há a expectativa de que as desigualdades sociais cresçam na crise?
Segundo Seric e Winkler, alguma dose de desglobalização está no horizonte pós-pandêmico [4]. Essa discussão já está presente na Europa, no Japão e também nos Estados Unidos. O fato é que a pandemia está provocando reflexões em muitos países sobre a real necessidade de se ter reservas estratégicas nacionais de capacidades produtivas de bens e serviços essenciais. Pelo jeito, teremos um novo normal após a crise, bem diferente do contexto pré-crise. Em síntese, o futuro não será mais como antes. Nesse sentido, há inclusive a expectativa de que algumas iniciativas de Indústria 4.0, automação e digitalização de processos produtivos de bens e serviços, basicamente, ajudem a aproximar geograficamente os elos das cadeias produtivas do seu mercado final, rompendo, ainda que parcialmente, com a lógica anterior de alongamento e aprofundamento das cadeias globais de valor.
Nesse novo cenário, tendo em vista a perspectiva histórica apontada por Piketty, resta saber como a ideologia e a política tratarão as “novas” relações entre capital e trabalho. Toda essa sistemática imposta pela crise provocada pela Pandemia, encaminha a sociedade para uma nova forma de produzir bens e serviços. O trabalho, mais do nunca, requer novas formas de lidar com seus métodos no contexto de isolamento. A reinvenção e a adaptação necessárias entre diversos elos das cadeias produtivas e de serviços abrem novas possibilidades de se reinventar como profissional, na busca por uma recolocação numa sociedade fragilizada que nunca mais será a mesma.
Para o Brasil, um país de históricas e estruturais desigualdades sociais, esse novo cenário demanda maiores análises e prospecções. As atuais regras nas relações do trabalho que enfraquecem a força do trabalhador se torna mais acentuadas nesse cenário em que há um desequilíbrio com os altos desempregos elevados com a crise e uma busca por maior automação e de tecnologia de informação pelas empresas para se tornar menos dependente da força laboral. E, não convém contar com a boa vontade de outros países no complexo jogo do concerto das nações, pois conhecimentos e tecnologias não são neutros nas relações humanas e entre sociedades.
Notas:
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_do_Trabalhador
[2] SERRANO, F., SUMMA, R. (2018). Conflito distributivo e o fim da “breve era de ouro” da economia brasileira. Novos estudos CEBRAP, 37(2), 175-189.
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